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Kindred - Um Romance Científico

  • Victor Câmara
  • 26 de set. de 2018
  • 5 min de leitura


Fiz um desafio comigo mesmo quando resolvi ler esse livro. Nunca gostei de status pré-definidos, simplesmente porque gosto de verificar tais situações por mim mesmo. E, para minha grata surpresa, realmente essa mulher é a Dama da Ficção e esse livro é uma obra prima que fará com que eu reflita por muito tempo.


Mas, já deveria ter aprendido em não ter preconceitos com mulheres escritoras, justamente porque foi exatamente uma escritora que abriu meus caminhos para o Romance ( Zoya de Danielle Steel). Se acalmem porque não é um tipo de preconceito em considerar que mulheres não sabem escrever ou montar uma história, ao contrário, é justamente porque não acreditava ser apto em compreender uma estória relatada do ponto de vista feminino. Claro, essa conclusão não veio a priori porque ainda tenho (e acredito que todos a possuem) a parca noção de que compreendo tudo e a todos, e precisei passar por esse choque de realidade para sair com essa conclusão.


Esse choque, implica em fazer uma análise de como somos vistos, algo imprescindível para rompermos com essa bolha idealizada de quem acreditamos ser, quando a realidade é totalmente diferente. Diferente porque acreditamos sermos positivo, por exemplo, em achar que compreendemos a próxima. Mas, quando nossa identificação ocorre com o lado negativo, quando nos reconhecemos em muitas das atitudes que aquele personagem tem, acabamos (eu pelo menos) por refletir e colocar em julgamento toda a nossa vida até aqui e aquilo que tomávamos como absoluto.


Querendo ou não, apesar de sermos todos humanos, nossa constituição psicológica foi e é moldada pela sociedade que detém diversas ideias implantadas que são repassadas adiante. Sendo assim, mulheres e homens possuem pontos de vistas diferentes, tendo em vista toda divergência que passamos e sentimos (por exemplo, é diferente para um homem caminhar à noite do que para uma mulher. No máximo seremos mortos – o que não é de todo ruim, porque a experiência negativa cessaria ali. Como mulher, poderia acontecer abusos que certamente seriam como uma faca enfincada na alma que aprofundar-se-ia dia a dia).


Dito isso, passemos para a resenha.


“Puta que pariu! ”


Assim poderia resumir minha introdução, que na verdade veio aos poucos. Hã? Como assim?


A estória inicia-se como qualquer outra de ficção cientifica ou até mesmo um romance (não, creio que essa estória estaria mais para um romance com elementos fictícios de ciência – salto no tempo e espaço, mas só.). Um casal que foge as regras da sociedade, em um mundo onde existem dificuldades para com as classes “inferiores” da qual fazem parte, mas que conseguem pouco a pouco conquistar aquilo que almejam. Nada muito diferente de hoje, não?


A priori, não considerei que esse enredo inicial era tão banal assim, até porque, o fato de ainda existir em nosso meio esse mesmo tipo de problema, me incomoda. No entanto, ao final do livro, até mesmo os problemas enfrentados inicialmente por esse casal, pararam de ser algo absurdo. Mesmo que estivessem inseridos em Compton, Califórnia, em 1976.


Claro, as coisas mudam conforme o tempo e fica mais fácil julgar aqueles que permaneceram moldados e obedientes aquilo que era imposto a si. Por exemplo, as “aia” e Pais Tomas que são o arquétipo pejorativo para afrodescendentes que permaneceram (permanecem) obedientes as autoridades dos senhores de escravos naquela época.


Hoje, nós, não questionamos e julgamos como fracas aquelas mulheres que permaneceram (permanecem) por tanto sob o julgo de homens religiosos que entendiam que mulheres apenas serviam para procriar e cuidar dos filhos ou da casa? Ou do porquê ninguém se revoltava contra a ridícula ideia de considerar uma pessoa como propriedade (de forma mais nítida, isto é, considerar alguém sem vontade, vazia, bem como uma casa ou martelo)?


Mas, realmente não fazemos de tudo para sobreviver? Isso não implica em abaixar a cabeça e seguir com a corrente? Percebam que em nossa época existem temas das quais abaixamos a cabeça, assim como retratada na época da estória onde eram comuns a escravidão e o preconceito (de forma mais aberta em 1976), e ainda assim não fazemos nada à respeito.


Vejam, com isso, não quero dizer que concordamos com isso ou aquilo, apenas que nos moldamos afim de sobreviver. Afinal, não é exatamente essa a ideia primordial de nosso cérebro? Buscar segurança, crescer e multiplicar?


Por mais que acreditemos que nunca mais aceitaremos tais situações, será que se realmente toda a segurança (mesmo que fraca e tacanha) providenciada pela sociedade atual, com toda a sorte de ideias e instituições, fosse retirada (através de um salto quântico no tempo e espaço), ainda assim não abaixaríamos a cabeça?


Digamos que através de um salto, você, com tudo que sabe e entende; todo o conhecimento da História à seu favor; a mais variada sorte de instrumentos ao seu dispor; estaria apto de fazer alguma mudança, caso fosse levado de supetão para outra época?


Refleti por um longo tempo e cheguei à conclusão que se não consigo sequer modificar o meu meio ambiente atual; se quer consigo identificar quais são os meios positivos para cortar as amarras que me moldam, como conseguiria provocar uma mudança em épocas passadas, das quais não teria o apoio de hoje?


Nesse sentido, Milan Kundera, em seu ensaio intitulado “ Testamentos Traídos” retrata dessa mesma ideia, com o nome de “Tribunal do Tempo”. Isso significa que toda a História serve e se molda aos caprichos da maioria (essa maioria é aquela que detém poder sobre outros, não necessariamente quantidade de pessoas).


Por isso considero que esse salto no espaço e tempo foi utilizado com primazia e de forma diferente pela Autora, justamente porque deixou de lado o paradoxo temporal (não que ela tenha sido descuidada nesse ponto, muito pelo contrário!), focando no lado mais psicológico dos personagens.


Falando em lado psicológico, fiquei abismado com as reflexões sobre a minha força ou fraqueza (ainda não definida ao certo, pois, quantas das vezes nos deparamos com certas situações das quais estávamos certos que agiríamos de tal forma, mas acabamos por tomar outro caminho?).

Em uma época hostil à mim (não precisa ir muito longo, basta rememorarmos na História, alguma época em que o direito à livre expressão e manifestação fossem limitados ou até mesmo proibidos), conseguiria manter-me firme ao que acredito ser meu cerne? Não me refiro a mudanças externas, mas aquelas que ocorrem internamente.


Ser posto à prova dessa maneira, sem objetivos claros e definidos, é realmente algo para se pensar e refletir. Realmente conseguiria evitar que certas ideias impregnassem em minha mente? Será que, com minha volta à época original, manteria os traços de uma época passada? Os mesmos erros pelas quais fui obrigado a coexistir, seriam levados adiante através de mim para meus conterrâneos de época ou conseguiria impedir que se propagasse? Consideraria normal, o fato de algum censurar o próximo na nossa modernidade, sendo que senti na pele a proibição? A anormalidade, não seria exatamente deixar livre a manifestação?


Por isso disse que esse livro demorara um pouco mais para ser digerido por mim. Não que me impeça de começar outro, não é mesmo?


Até a próxima!

 
 
 

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