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Resenheiro - O castelo, Franz Kafka II

  • Victor Câmara
  • 21 de jun. de 2018
  • 5 min de leitura


Espero não ter cansado vocês até aqui, pois esse livro é tão magnifico que considero impossível não me prolongar.


Pois bem, a história que K conta no início do livro, acaba por coincidir com uma história local e, como dificilmente acredito que coincidências, me leva À crer que K já sabia tudo que acontecia naquele lugar.


Partindo disso, surgem três hipóteses e até receio em abordar uma delas: 1) K recebeu um ofício para ser o Agrimensor; 2) K é o próprio conde que rege o castelo e a vila; e 3) K pertence ao castelo, e foi enviado para apurar os fatos. Algo necessário para manter informado o próprio conde de como agir.


1) A que receio abordar é a primeira porque as evidências que coletei ao longo da narrativa fazem com que a plausibilidade disso passe a ser praticamente nula. No entanto, como estamos indissociáveis de nossas próprias migalhas coletadas além do livro, isto é, não conseguimos analisar algumas coisas como se fossemos um copo vazio.


Desse modo, apesar de K, em seus pensamentos, afirmar que não sabe ser um agrimensor, através de um erro burocrático, o oficio tenha saído no seu nome e tenha acatado pela boa oportunidade. Mas, onde está esse oficio? Possivelmente tenha se perdido como tantas coisas que, no momento são importantes, mas deixamos que se percam. Nossas memorias não funcionam da mesma maneira? Ou certas atitudes que naquela hora foram as melhores da vida, mas depois nos envergonhamos e buscamos (até damos graça) esquecer? De modo físico, até mesmo as repartições públicas perdem documentos de extrema valia. Então considero justo abranger essa primeira hipótese.

2) Essa hipótese germinou quando terminei de assistir o anime chamado “Ergo Proxy” (sensacional e recomendo muito!).

Bom, ao longo do livro, percebi que ninguém nunca viu ou tem certeza de quem são os administradores públicos ligados diretamente ao castelo, pois é possível que um administrador delegue seus poderes para um funcionário público e este também o delegue ad infinito ou até que algum deles faça o que foi ordenado. Essa é uma das prerrogativas de fazer parte do castelo.


Por isso, fica impossível prever com certeza de que aquela pessoa é o Aristocrata que está encarregado de certo assunto do castelo, tendo a única certeza ( e muita das vezes é possível até mesmo desconfiar disso) que estão sobre à mando de alguma Autoridade de fato. Apenas uma parcela dos cidadãos pensa assim, pois a maioria do vilarejo precisa reconhecer cegamente a Autoridade ou, se compartilha, é apenas através de cochichos.


Engraçado que Franz Kafka aborda essa autoridade sem nome e rosto em outro de seus livros, chamado “ O processo”. Nele, os Tribunais Superiores julgam as ações dos tribunais inferiores, mas nunca ninguém conseguiu vê-los ou até mesmo saber de suas decisões (até mesmo os próprios juízes de raras aparições).


Voltando, dessa forma, acredito que é impossível reconhecer de fato quem está no comando e quem não está. Vejam a fragilidade que reveste essa tal de “crença”. Se quer podemos ter certeza que aquele ou aquela pessoa possui de fato alguma importância. Deixo claro que essa “importância” abrange tanto o lado físico como metafisico. Por exemplo, como poderíamos afirmar, dentro desse universo que Kafka criou (para aqueles que desejam pensar além, imaginem então nosso mundo real), que K não era o Conde que desceu até o vilarejo para verifica-lo com seus próprios olhos?


As roupas são facilmente manipuladas com certa habilidade na costura; os postos administrativos podem ser facilmente arranjados; posições sociais são irrisórias e modificam-se por um simples ato. Então, como, retirando a “crença”, podemos negar essa hipótese?


Os motivos para que alguém na posição de um conde desça é muito simples, e explico fundamentando em sua própria criação, isto é, um sistema de castas.


As informações não chegam à autoridade suprema da maneira correta, porque a cada passo dado, alguém impregna com os seus achismos e certezas. Para mim, isso está bem demonstrado quando K recebe uma carta de Klaam, elogiando o trabalho esplendido que vem desempenhando como agrimensor e no trato para com os ajudantes (para quem ler/leu, vai saber do que estou falando).


Agora, imaginem só, você, um conde, sendo informado todos os dias de como tudo anda maravilhosamente bem nos seus domínios, desce para o vilarejo e começa a perceber esses erros absurdos e grotescos; verifica que as pessoas simplesmente estão mantendo escondidas sobre uma máscara, todas as falhas, tristezas, dúvidas e frustrações; nota que sua criação foi exatamente o motivo desses erros. De que forma você reagiria? Por isso, a necessidade de descer e verificar com os próprios sentidos, tudo aquilo pela qual foi informado.


A partir disso, ressalto o outro lado da moeda. Imaginem que você é o responsável por repassar todas as informações para o conde, mas, se preocupa tanto com o bem-estar dele, que busca resolver as coisas por si mesmo e inverte as informações para que sejam agradáveis. E mais, AMA tanto o conde que, para ter mais tempo de preocupar-se com ele, recria toda a criação de uma maneira que as informações não precisem ser invertidas por ele, ou seja, não importa quão mal seja a situação, através desse filtro, todas as coisas chegaram para você de forma agradável. Agora imaginem que todos, em algum momento, também resolvam criar filtros e mais filtros, tendo como um único resultado: A inércia e descompasso entre a realidade e o real. Como você reagiria ao saber que o conde iria até o real para verificar essa situação? Na verdade, acredito que não seja nem ao menos verificar, mas simplesmente sentir toda essa paz e tranquilidade que passaram para ele toda a vida.


A luta se inverte, e agora aquele que tanto ama o Conde, por não conseguir lidar com o olhar de reprovação, acaba por impedir a Ascenção de seu amado. Olhem só que paradoxo incrivelmente assustador. Ressalto, o Amante nunca deixou de amar, mas se acostumou tanto à enxergar a realidade e não o real, que busca acreditar que fez isso pelo bem dele, mas tem medo de encarar o real. Quem, entre nós, poderá prever a reação desse desfecho?


3) essa vai de encontro em partes com o que acabei de escrever, com a modificação de que existe um terceiro nessa relação conde-amante. K, desempenha um papel fundamental nesse estratagema, mas que dependeu única e exclusivamente da germinação da dúvida no coração do conde. Portanto, é uma hipótese um tanto como frágil.


No entanto, aqui pergunto o seguinte: De onde vem a dúvida? Partindo do pressuposto que todas as informações eram filtradas, devemos estabelecer que em algum momento uma informação foi incoerente com outra. Até mesmo sei de dois candidatos para isso, e é justamente aquilo que mais nos frustra, a saber, às desgraças e a liberdade. E ainda assim, faz-se necessário desconfiar daquele em que confiou a vida inteira ou que demonstra plena confiança.


Como filtrar um relatório de óbitos, discussões, e toda sorte de atos negativos que tanto condenamos? Como impedir que o Conde não percorra seus domínios?


A história de buda é parecida com isso, tendo em vista que o pai de buda (um grande rei) proibiu Buda de sair dos palácios porque havia uma profecia onde ele seria um grande rei ou um revolucionário, a depender de como fosse criado. Quando cresceu, fugiu do castelo três vezes e constatou as maldades e desgraças no mundo. Não preciso me prolongar, né?


Claro, considero que esse conde sejam uma pessoa que se importaria com aqueles abaixo dele. De outro modo, caso não se importe, então bastaria que esse descaso fosse informado para aqueles abaixo dele e, assim, inflamar uma revolução.


No entanto, na concepção do conde, abandonar o trono poderia trazer graves consequências, caso resolvesse ele mesmo descer, por isso, K ou qualquer outra pessoa disposta, é essencial nessa trama. Ele (K), estaria incumbido de pessoalmente verificar essas situações e levar para o conde suas conclusões. Mas, olhem só, sem que ninguém soubesse disso, pois, afinal, seria muito fácil mascarar o real para ludibria-lo.


Para tanto, a surdina, a calada da noite, o sorrateirísmo demonstra-se essencial; a incógnita, ser a escória melhor dizendo, é a única maneira pela qual conseguiria perceber o real com todos os mecanismos em pleno funcionamento.


Alguém chorou? Nem imagino o porquê.

 
 
 

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