top of page

Resenheiro - O castelo, Franz Kafka I

  • Victor Câmara
  • 21 de jun. de 2018
  • 4 min de leitura


O castelo, forma imponente e símbolo de autoridade, mas não é para qualquer um. Este é o primeiro pensamento que me ocorre ao pensar ou imaginar a figura de um castelo, e possivelmente para qualquer outro ser. Contudo, o personagem K., imagina e age de forma diferente não se atendo ao status quo. Até porque, conforme a narrativa vai se estendendo, começa a ficar claro que não faz sentido algum todas as correntes burocráticas e aparentes que são impostas.


Acredito que essas amarras foram criadas tão somente para ludibriar as pessoas, que estão sobre a influência do castelo, ao esconder a dependência mútua e essencial entre as pessoas (aristocratas ou não).


Primeiro, a autoridade suprema, dona do castelo, estabeleceu diversos regramentos para manter a ordem que considera ideal e perfeita. Portanto, daqui extrai-se que todos os acontecimentos são corretos, pois, em suprema analise, estão ligados à ordem inicial do conde/rei/aristocrata etc etc.


Partindo dessa premissa, a qual o personagem K percebe, começa a galgar seu caminho em direção ao topo. Essa ascensão, obviamente, causa transtornos para a burocracia como um todo (aqui, representada pela Administração Pública na figura, até então suprema, de Klaam) porque a comunicação entre os diversos braços da administração é demorada, ao passo que K movimenta-se rapidamente. Eis um dos motivos pelos quais tentam a todo custo firmar K em algum lugar (casamento, amizade, trabalho) ou, ao menos, diminuir seu ritmo.


Essa estratégia empregada revela-se boa e ruim ao mesmo tempo, uma espada de dois gumes, pois, quanto mais lhe entregam, mais ele sobe e, consequentemente, fica à um passo adiante de seu objetivo.


Por quê? Por que o objetivo de entrar no castelo parece tão irracional para o povo do vilarejo e até mesmo para os aristocratas?


A resposta que proponho, vem da origem do jovem K. Observem que o Sr. K chega na vila sob a capa sombria da noite; a surdina que reveste todos os seres de forma igual, pois não existe distinção entre homens e feras nas sombras. Fora isso, para quem está na base da pirâmide social, qualquer objetivo alcançado é lucro. Então, por que não sonhar com o topo? Mas esse topo não seria qualquer coisa acima daquilo que possui, ou seja, nada?


Joseph K simplesmente batalhou, à priori, por um lugar para comer e descansar que de fato foi alcançado graças, ironicamente, à própria burocracia e da suposta ordem imposta pelo Castelo. Aqui me recordo de uma música de chico Science e nação zumbi, da lama ao caso que diz assim: “E com o bucho mais cheio comecei a pensar. Que eu me organizando posso desorganizar. Que eu desorganizando posso me organizar”.


Esse é o “problema” do K, a vontade de querer sempre mais. Pensem um pouco, aquele que nada tinha, acabou ganhando algo graças à uma brecha no sistema. Qual seria a sua, caro leitor, próxima atitude?


Esse livro é sensacional porque me faz pensar em diversas coisas, entre elas, a resposta para a pergunta que fiz anteriormente. Vejam, o sistema, através de uma brecha criada por si mesmo, me forneceu algo. Desse algo, consegui sair do nível em que me encontrava e não pretendo voltar.


Sendo assim, o caminho para cima parece difícil, até o momento em que se descobre onde existem as brechas. Para um sistema ser perfeito, faz-se necessário compreender que existirá variáveis pelas quais, se um sistema possuir a pretensão de ser perfeito e não errar, acabará por ser sua ruína. É uma pretensão peculiarmente humana em considerar que pode controlar tudo e a todos. Talvez pelo fato de considerarmos que pensamos e, por isso, somos diferentes dos animais, nos esquecemos que também somos completamente diferentes entre si. Consequentemente, nossas atitudes não podem ser totalmente controladas, isto é, ter certeza de como reagiríamos em determinada situação.


Essa é a primeira regra para um sistema absoluto: ter controle do incontrolável. Quando verificamos a previsão do tempo e esta nos informa que poderá chover, o que fazemos? Levamos um guarda-chuva. Contudo, e quando essa previsão não prevê chuva, mas acaba, mesmo assim, chovendo? O despreparo foi da previsão ou de si mesmo que não considerou que a previsão poderia estar incompleta ou até mesmo errada?


Aqui paira o problema pela qual K buscou elucidar. Os cidadãos do vilarejo não consideram que a Administração Pública pode errar, e os Administradores não aceitam que podem errar ou que o sistema em que se encontram, possui falhas.


Até reconhecem as falhas, mas não podem reconhece-las porque estão representando à Administração Pública como inteiro. Isto é, mesmo a “escoria” do Castelo, representa o Castelo como um todo. HAHA.


Nesse sentido, alguns diálogos dentro do livro, revelam um segundo problema: Reconhecer que uma Autoridade erra, acaba por retirar justamente à Autoridade? A justificativa, dentro da visão dos administrados e dos administradores, é que o erro vem, não do sistema, mas das pessoas que buscam lutar contra ele e, por isso, devem ser eliminadas com brevidade. E mais, o sistema abarca à todos e, se não te considerou, é porque você não merece ou é inexistente.


Novamente, se não mereço e recebo algo, acabamos por cair em contradição; se sou inexistente, então posso caminhar por todos os caminhos sem ser molestado. Assim, opto, dentro das paredes do livro, que K não era inexistente ou era, mas assim que recebeu atenção de alguém do castelo, tornou-se alguém que deve ser agraciado e encaixado pelo sistema.


A falha de K, se posso colocar dessa maneira, foi em aceitar todas as graças (boas ou ruins) daqueles que se encontravam categorizados dentro desse sistema castelar frágil. Imagino que se tivesse passado direto pelo vilarejo e abarcado diretamente no castelo, seu caminho estaria mais fácil. Digo fácil, mas compreendo K como um viajante ou nômade, que estava cansado de tanto caminhar sem chegar à lugar algum.


Faço aqui um adendo. Esse “sem chegar à lugar algum”, para mim, significa que não existiam empecilhos para ele, justamente por ser inexistente.


Por fim (ao menos nessa primeira parte da resenha), é impossível criar barreiras para aqueles que não existem, e talvez por estar cansado de não existir, tenha abarcado no vilarejo. Por isso, não posso julga-lo como certo ou errado.

 
 
 

Comments


bottom of page