Tribunal / Três absolvições / Joseph K.
- Victor Câmara
- 28 de fev. de 2018
- 4 min de leitura
O Tribunal. É notório e amplamente divulgado, aceito, que toda a vez que o Tribunal, braço da Justiça, move-se contra alguém, não é em vão. Não existe presunção de inocência, porque o Tribunal detém sempre a certeza ao seu lado, isto é, sempre está certo em suas presunções (que na verdade, não são presunções, mas certezas que somente são confirmadas com o processo).
Todos são culpados perante à Justiça. O personagem Joseph K. também não fica para trás. Aqui, em um primeiro momento, ele considera-se inocente de toda sorte mas com o tempo começa duvidar disso. Por mais que os detalhes não façam sentido (ninguém sabe do que se trata o processo; as provas não são abertas ao público; os magistrados superiores são inacessíveis ou ninguém consegue identifica-los, deixando esse tom de mistério), o fato de estar sob investigação ou ter sobre si um processo, acaba por transformar Joseph K. em seu próprio inquisidor e carcereiro, tornando a sua vida/rotina insuportável. A pergunta surge: “Por que estou sendo investigado?” e desse questionamento, surge a loucura fomentada por si mesmo e, no final, acarreta na admissão de culpa. Mesmo que não saiba pelo que é culpado.
O intuito inicial do personagem é de provar sua inocência, mas a inocência precisa ser provada? Ela (inocência), por si mesmo, não seria prova suficiente e incontestável? Não para à Justiça, pois, ela que define quem será culpado ou inocente. Sendo o inocente, tão somente aqueles que não possuem sobre si o Tribunal e o Processo.
Contudo, o Tribunal pode errar? Não, pois, assumir isso, acabaria por manchar as vestes brancas de sua mãe, à Justiça. Essa donzela bem amada não poderia gerar um filho degenerado que acaba por culpar e condenar inocentes de fato. Então, para que isso não ocorra (manchar o nome de sua mãe – à Justiça), o Tribunal torna-se a deusa da Vitória (Nike) porque buscará, por todos os meios possíveis e inimagináveis, vencer esse arrogante e presunçoso que considera-se inocente. E mais, toda a vida daquela pessoa servirá de objeto para análise e escrutino, visando encontrar qualquer fagulha para utilizar contra ele.
Fora isso, quando o oponente demonstra-se mais forte, acaba por instigar ainda mais o senso de prova do Tribunal/Vitorioso. Noutros termos, a Justiça acaba por transformar-se na deusa da Caça, por estar de frente com uma presa tão interessante e notável e, por isso, acabará por utilizar de todas as artimanhas.
Uma delas é exatamente aquilo que disse em alguns parágrafos anteriores. Trazer a caça para um território desconhecido (mundo este, criado e estabelecido para somente uma das partes à Justiça); depois, colocar a pessoa contra si mesma, fomentando a dúvida; por fim, acaba por utilizar os próprios pares para instigar e incentivar com que a presa considera-se frágil e aceite seu fado (ser condenado). Quando o Mundo inteiro está à favor da Justiça, é difícil acreditar no indivíduo. Faz-se necessário ter muita força de Vontade para prosseguir em seu caminho (inocência).
Pois bem, existem três tipos de absolvições disponibilizadas pela Justiça: absolvição real; absolvição aparente; e processo arrastado.
Começo pela última. Esse tipo de absolvição implica em deter meios para atrasar a sentença, seja conhecimento jurídico ou contatos “quentes”. Enfim, qualquer influência que possibilite o atraso.
Essa absolvição é a mais utilizada, porque, como o indivíduo sabe que é culpado (aceita isso), ele busca então conhecer o terreno do caçador para melhor se defender. Essa “presa” não enxerga diferença entre Justiça e Caçador (último nível) e, por isso, não existe escapatória cabível para ele. Então, começa por criar oportunidades de agradar os meios que o caçador utiliza para caça-lo (podendo até mesmo ser um desse meios para caçar outras presas – uma espécie de simbiose macabra – Exemplo, filme “Prenda-me se for capaz”) ou meios de se esconder, o tanto de tempo possível para que o caçador se interesse por outra presa.
O indivíduo nunca estará livre do processo (sempre será uma presa). Porém, como sabe que é culpado (nunca se livrará disso), não deseja ser abatido. Aprende a conviver com esse processo nas costas; habitua-se com esse peso.
Em relação à absolvição aparente, esta depende única e exclusivamente das benesses da Justiça e daqueles que à servem (juízes, promotores, cartorários, investigadores, etc etc etc). Pode ser que a Caçadora vire e diga: “Sei que é culpado, consegui te pegar, mas decidi não te punir. Mas, ressalto, VOCÊ É CULPADO de ao menos ter movimentado o Tribunal”. Contudo, qual a legitimidade ou o peso que uma sentença dessa provoca naqueles que já se consideram culpados? Nenhuma. Acaba por incentivar que outros culpados fiquem mais tranquilos, pois, aquele dali não recebeu nenhuma punição, então eu também não receberei. Basta agir pelos mesmos caminhos, e isso acaba por criar um ciclo destrutivo e vicioso.
Esse papo de honra serve tão somente para os inocentes manterem-se na linha porque, por mais que não exista a punição (tomando por base que não conseguiu provar a inocência, sendo inocente), a honra dele ficará manchada por toda a vida.
As testemunhas (toda a sociedade – família, amigos, chefes, companheiros etc etc) nunca entenderão que, por mais que não tenha sido condenado, é inocente. Esse estigma fica enraizado no Ser. Eis o motivo do Joseph K. ter preferido e aceitado o grau máximo de punição (a morte). Para ele, isso era preferível do que arrastar essas “correntes” culposas por toda a vida.
Por fim, a absolvição real não é a sentença final determinando esse ou aquele como inocente. Aqui, o sentido é inverso. A absolvição real paira sobre, e somente sobre, aqueles que não tem um processo no Tribunal, fruto da Justiça/Vitoriosa e Caçadora.
Todos aqueles que são inocentes, e verbalizam isso perante o Tribunal, acabam
condenados e culpados justamente por afirmar (ou querer afirmar), que a Justiça errou. Inadmissível. Isso explica o porquê de todas as pessoas (inocentes) temerem à Justiça e agirem conforme os parâmetros estabelecidos.
Agora, deixo uma pergunta: Quem estabelece os parâmetros da Justiça? ... Melhor: Quem define o quê é Culpa? Melhor ainda (aqui pego emprestado o termo da HQ “The Watchers”): Quem vigia os vigilantes? (who watch the watchers?) Melhor do Melhor ainda: Controlando os parâmetros, controlará a Vitória?
Mas, esse papo é para outro momento.

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