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A exceção prova tudo.

  • Victor Câmara
  • 30 de jan. de 2018
  • 6 min de leitura


Permitam-me iniciar pela parte “mais” interessante. De certo já escutaram: “toda regra tem sua exceção”. Talvez criada para ludibriar as pessoas em seguir os ditames, no sentido de que “faça o que eu digo, mas não o que faço”, considerando-se uma exceção à regra imposta por si. Por exemplo, João impõe uma regra para não roubar, mas considera-se uma exceção à esta regra que criou, então começa a roubar enquanto todos os outros devem seguir a regra colocada, não a sua conduta.


Cansei de ouvir pais dizendo isso para os filhos; e também cansei de ver os filhos seguindo esses mesmos exemplos dos pais. Então, qual a lógica ou a (in) sanidade de querer que as coisas mudem sem que a mudança parta de si?


Isso explica o porquê os entes políticos são os piores devedores, visto que demoram para pagar seus débitos, mas penhoram rapidamente as contas de quem lhes deve. Fala se isso não é uma situação perfeita? Contudo, acredito que o Governo é reflexo do seu povo. E, assim sendo, se buscamos sempre o jeitinho de burlar as regras, então, que legitimidade temos em questionar os débitos do próprio governo? Não existe aquela ideia que o povo está representado? Qual a legitimidade em questionar a má distribuição da arrecadação trilionária, sem que nem ao menos conseguimos planejar nossas contas diárias? E não me venham falar que é difícil economizar ou que a tributação sobre o consumo é exagerado, pois ISSO É MULETA E PASSOU DA HORA DE JOGARMOS-AS FORA!


Voltando ao ditado. Se “toda regra, tem sua exceção” ela por si só estabelece uma regra, qual seja: sempre existirá uma exceção. Contudo (e agora essa é a sacada), por estabelecer-se como uma regra, aplica-se sobre si. Assim, a conclusão óbvia é de que existem regras que não admitem exceções; valores absolutos que estão garantidos por si mesmos.


Resta descobrir quais/qual é/são. Aqui paira um dos piores embates, pois quem garantirá que essa ou aquela é a candidata ideal para a verdade por si mesma, que não admite exceções? Bom, Espinosa através da união entre o abstrato e o objetivo, definiu a substância ou, em termos práticos, Deus. Outros impuserem suas verdades através da pura força bruta.


Calma, calma que não estou aqui para explicar Espinosa, apenas que muitos outros, entre eles Espinosa, se embrenharam nessa empreitada (Por exemplo, temos o argumento ontológico ou, o mais cientifico, big bang – Obviamente que existe a hipótese dos multiverso que não me cabe dissertar sobre). Porém, em termos ligeiros, Espinosa acreditou e defendeu que Deus é a causa inicial de tudo o que existe (duplamente obvio que o Deus de Espinosa não se assemelha em nada com o Deus de outras religiões – cristã, cof, cof, por exemplo); o motor autogerado que ensejou todas as outras coisas; o garantidor,soberano, de todo o sistema. Então, sim, a frase "Deus está certo porque é soberano" ao invés de "ele é soberano porque está certo", é completamente assertiva, aplicando-se em cadeia para os "assuntos mortais".


Agora, vamos para o restante do texto.


A pergunta que faço é: Por que isso é exceção e não aquilo? Por que o Direito abrange e protege essa determinada situação, e suspende-se naquela?


Bom, Regra é aquilo que alguém, possuindo soberania (poder de decisão), determinou como tal; uma homogeneidade média, por assim dizer. Isto é, determina-se uma situação como “normal” (dentro do possível, visto a complexidade do ser humano) e cria-se um Direito para garantir que esse situação seja respeitada.


A exceção também é um instrumento do soberano para que, através de um caos ordenado, seja posto e aprovado as regras inicialmente pretendidas (“olhem, lá fora é muito pior que aqui dentro”). Assim como o peixe-diabo negro e sua “luz” salvadora nas profundezas do oceano reflete uma falsa segurança ou percepção de que está sendo engolido ou caçado.


"a soberania não reina a não ser sobre aquilo que é capaz de interiorizar (Deleuze, 1980, p. 445). O problema está quando as exceções aproximam-se em demasia das regras; a aproximação do Outro, não como algo determinado e convertido, mas como o Outro em sua característica diversa e, muita das vezes, contrária aos seus princípios, ocasiona um mal estar cancerígeno.


Bom, a normalidade, o usual, a rotina, nada prova. Nem ao menos consegue demonstrar a soberania ou de quem quer que exerça o comando, visto que a comparação exige algum parâmetro. E, aqui entra a importância da exceção.


Mas, o que ela prova? Todo o sistema, tanto o geral como a si mesma. Para entender como funciona a regra, precisamos analisar todas as exceções que brotam ao redor. Somente elas permitem uma análise enérgica e passional do panorama, ao passo que a regra é tratada com uma calma superficial (como já escrevi antes, toda a paz, regra, não passa de uma imposição sobre as demais).


Imaginem o seguinte exemplo: O budismo é o caminho certo, a regra. Porém, de cada 10 pessoas, 1 segue outra ideologia/religião. Essa 1 é a exceção, o parâmetro, que corrobora com a regra que 9 pessoas caminham certo. Porém, caso 9 pessoas estejam erradas, revelará a força com que 9 pessoas foram submetidas ao 1. Muito provável que até alguns desses 9, tentarão suprimir-se e converter-se para o 1, lado “certo”.


Hm, mas os nove não computam como o certo, visto serem a maioria? Creio que muitas das ditas regras não expressam a realidade da experiência humana (ou me engano que posso fazer tudo que desejo? E que não me confundam! Realizar tudo que desejo, não é o mesmo que querer a inexistência dos efeitos – Somente entendo que nossos desejos, frutos de uma vontade de experimentação-lógica que, “graças” a um estabelecimento de valores precários e inibitivos, não se afloram) Mas, são impostas e mantidas na base da violência (enredo que já escrevi em outros carnavais).


Por isso, através de uma análise da exceção, posso visualizar o corte que fazemos sobre todo aquele que não se enquadra nessa “normalidade” (Coloco entre aspas porque o ser humano é complexo demais para se tabular em certo/errado). Pela própria natureza conflitante entre a necessidade de controle, estratificação, imposição do soberano e a complexidade do ser humano, é plausível que se destrua-se aquilo que não converge para a “normalidade”. Em termos mais simples, a destruição da exceção é um efeito colateral aceitável por ser exatamente isso, exceção (minoria) que está sobre o comando do Soberano.


Hoje, lembro de uma aula que voltou-se em torno dessa discussão: Poderá existir duas soberanias ou, melhor dizendo, poderá existir ou coexistir dois foras da lei? Não. É essa tensão entre soberanos que ocasiona guerra nas ruas e sangues nas calçadas. Por exemplo, o embate entre PCC e o Estado! Dois soberanos disputando quem deterá o monopólio da decisão ou, ao menos, a delimitação dos territórios.


Aprendemos a odiar tudo aquilo que nós é revelado como regra e, assim, somos orientados em dispensar e destruir o Outro; e aqueles que estão na luz da regra, defendem com unhas e dentes sua posição, com medo de ser tratado da forma com que trata o Outro.


E mais, ao tentar defender o status quo estabelecido, revela-se o modus operante da violência com que o soberano definiu a regra ou o outro soberano definirá outras regras. Dessa forma, ou seja, com a luz desmascarando o soberano, ocorre toda um efeito cascata, levando ao colapso todas as estruturas e instituições que o defende. Assim como o véu que rasgou-se, através de um sacrifício puro (da minoria, da exceção), o choque e colapso de todo um sistema deixa, como o ditado diz, todo mundo cego. Consigo verificar isso na obra “ensaio sobre a cegueira” de José Saramago (não que tenha sido a intenção dele– aqui é apenas minha opinião), onde apenas uma exceção conseguiu colapsar o mundo.


Com a inversão dos polos, também inverte-se os papeis de carrasco; tudo aquilo que era exceção, toma substância como regra juntamente com toda a violência subjetiva com que foi imposta a “regra inicial”, que agora tornou-se exceção.


Além disso, o fortalecimento das minorias, não é fruto da iluminação de certos indivíduos, muito menos da complexidade humana, ao contrário, é devida pela repressão e força por detrás da regra posta e agora vem À tona na luta para manter afogada toda a exceção ou a defesa ferrenha com que a exceção busca implantar. Ocorre uma metástase em ambos os lados; uma cabeça surge toda vez que o machado corta.



Que grande caos, não? Quanto medo exala desse cenário a qual vivemos, não? Porém, o mais absurdo é ser levado a acreditar que essa é a natureza humana; de ser ensinado que é isso que nos espera, caso não seja fundado um Estado afim de garantir essa nova regra, implicando em um novo ciclo. Os soberanos se erguem dos mártires em um ciclo constante de derrocadas e violência; tomam novas formas salvadoras, à princípio.


Alastre o caos, e todos seguiram sua ordem. Ou, em termos diretos: “O Soberano, através do Estado de exceção (medo, violência, caos), ‘cria e garante a situação geral’, da qual o Direito (sua mão esquerda, ao lado do braço direito militar) tem necessidade para a própria existência.” E todo o resto, as exceções, são meras suspensões do Direito e, por isso mesmo, motivo justificável para cometer todas as barbaridades que vemos diariamente.


Para esses, só tenho uma frase: “Cuidado ao olhar muito tempo para o abismo, pode ser que ele o olhe de volta” e não haverá ninguém para salva-lo.


Como disse, a exceção aprova tudo.



 
 
 

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