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Strange Fruit - Uma reflexão.

  • Victor Câmara
  • 17 de jan. de 2018
  • 3 min de leitura

Observar o passado, não significa trazer a tona velhas feridas. Ao contrário, provoca uma reflexão sobre o que era e como está, para que tenhamos uma perspectiva positiva. Por mais triste e aterrorizantes que tenha sido o passado, vale lembrar que aquelas situações foram ultrapassadas, pois o mesmo pensamento de hoje "ah, isso não muda nunca" ou "impossível sair desse status quo" também foi o discurso da grande maioria no passado.


As mudanças não acontecem pela maioria, ao contrário e bem pelo contrário. Poucos tomam as iniciativas e rédeas das situações as quais não concordam. Esse poema, que mais tarde foi transformado em simbolo contra a luta ao racismo, contou com apenas a coragem de duas pessoas, ao enfrentar uma época dominada pelo segregação e racismo.


Pois bem, A letra dessa música, com o título original “Fruto Amargo” (Bitter Fruit) foi escrita por Abel Meeropol, após ter ficado chocado com uma fotografia do Lawrence Beitler, de 1930, que imortalizou o linchamento e enforcamento de Thomas Shipp e Abram Smith.


Esses dois rapazes foram acusados de roubo, assassinato e estupro. Acabaram sendo linchados por uma multidão (mulheres e crianças inclusas) que invadiram a delegacia, e retiraram ambos das selas (alguns relatos demonstram que foram favorecidos pelos policiais). Um terceiro homem, também acusado das mesmas penalidades, James Cameron, conseguiu salvar-se através da intervenção de uma mulher desconhecida.


Anos após o enforcamento, a suposta vítima do estupro, Mary Ball, testemunhou que não havia sido estuprada. E, assim sendo, as acusações foram retiradas, mas ninguém foi acusado pelo linchamento de Thomas Shipp e Abram Smith.


O poema “Fruto Amargo” (Bitter Fruit), foi renomeado para “Fruto Estranho” e transformado em música pelo próprio Abel Meeropol, sob o pseudônimo Lewis Allan. Em 1939, a música foi popularizada pela cantora Billie Holiday, apesar do receio de cantar na época. Importante mencionar que naquela época, o Jazz era dito como música vulgar ou do gueto.


Vale mencionar, também, que esse poema/música retratou a realidade das minorias, especialmente dos afro americanos, durante a “Jim Crow Era” (Leis de segregação racial, vigentes entre 1876 e 1965) ao Sul dos Estados Unidos.


Por fim, anos após a gravação dessa música por Billie Holliday, os discos circulavam com avisos como “Cuidado” e “Não toque isso”, impressos nas capas.

Fruto Estranho - Billie Holliday (Letra: Abel Meeropol)

[1 Estrofe]

As árvores do Sul carregam um estranho fruto,

Sangue nas folhas e Sangue na raiz,

Corpos negros balançam na brisa do sul,

Frutos estranhos pendurados nos choupos(1).

[2 Estrofe]

Uma cena pastoral do Galante Sul (2),

Olhos esbugalhados e boca torcida,

Essência de magnólia(3) doce e fresca,

E, de repente, cheiro de carne queimada!

[3 Estrofe]

Aqui está o fruto para os corvos (4) arrancarem,

Para que a chuva o colete, para que o vento o sugue,

Para o sol apodrece-lo, para a árvore larga-lo (5),

Aqui está uma estranha e amarga colheita.

(1) Na versão original, está escrito ‘poplar tree’ (Liriodendron tulipifera), árvore símbolo do Estado do Tennesse, que originou a Ku Klux Klan, em 1965.

(2) Aqui, como em toda a música, o Autor quer demonstrar a ironia entre dois polos. Nesse caso, evoca a imagem dos campos calmos, em contraposição com a imagem de corpos enforcados.

Entretanto, a própria Billie Holiday disse que "a pastorial gallant southern" expressava o ódio com que os Crackers (brancos) tratavam as minorias. Isto é, o racismo e a segregação faziam parte da paisagem como algo normal e rotineiro.

(3) A planta Magnolia é o símbolo do Estado do Mississipi, onde, a cada 10 linchamentos ocorridos entre a guerra civil norte americana e o movimento pelos Direitos Políticos (Civil Rights), 1 ocorreu nesse Estado.

(4) Os corvos normalmente estão associados com mal agouro, como o retratado no poema mais famoso de Edgar Allan Poe, onde o protagonista considera que o pássaro é um emissário e profeta de sua perdição.

(5) A metáfora da Àrvore, que somente solta seu fruto quando maduro, torna esse verso a síntese do poema/música. Nesse caso, o amadurecimento do fruto (as minorias) somente ocorrerá com a morte dos mesmo e, assim, poderão ser colhidos, em uma amarga e estranha colheita.

 
 
 

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