O poder da interpretação.
- Victor Câmara
- 8 de dez. de 2017
- 3 min de leitura

“Para Participar, antes saiba o seu lugar” não contém nenhum traço de proibição de qualquer sorte, muito menos determina de forma autoritária e fascista (como alguns comentários levam à crer) quem ficará com o quê. Ao contrário, a potência dessa frase está (desculpem se pareço obvio) na revelação de que existem dois polos distantes, fazendo-se necessário que tenhamos consciência à qual pertencemos primeiro. Isto é, perceber que existe algo, de que isso está errado e, talvez o mais importante, notar qual seu papel nessa conjectura toda.
Percebam, o problema é utilizar ou aprender, e modificar toda a história para parecer mais agradável (como bem dito no texto). Uma técnica amplamente utilizada ao longo da história, no intuito de discretamente apagar o senso histórico e cultura de um povo, para melhor adequar o indesejado. Observem, como todos os festivais pagãs de antigamente, foram substituídos por festivais cristãos. É desse problema que trata uma parte do texto.
Guardo na mente uma frase da minha vó: Salvação é individual. Precisamos parar de considerarmos Super-Humanos em uma síndrome messiânica, de querer salvar o próximo, sem que nem ao menos salvar a si próprio.
Nosso papel (seja branco ou negro) é de inspirar no próximo, quer dizer, propagar e instigar no outro, os próprios meios de sua salvação. Nunca, repito, nunca, carrega-lo, mas acompanha-lo na trajetória. Mas, como inspirar aquele que não possui nenhum traço em comum contigo?
E aqui entra um fato muito importante: Local de fala (termo talhado recentemente, mas possui sua ideia amplamente discutida na filosofia). Basicamente, o local de fala significa o ponto inicial que expressa de forma concisa a realidade, por fazer parte da essência; ter vivenciado aquilo por dentro.
Por exemplo, meu discurso sobre a situação da mulher na sociedade não possuirá tanto impacto, sendo irrelevante quão eloquente, preciso, de quantas doutrinas coloque ou cite Simone de Beauvoir, entendem? Faz-se necessário que a própria mulher tenha voz, pois, desse modo, o discurso possuirá amplo efeito e potência. Lembrei da cena do filme “O predestinado”, onde um agente temporal pergunta para escritor “Jack” como ele conseguiu entender tão bem as mulheres. Porém, mais tarde, revela-se que o escritor, na verdade, foi uma mulher a maior parte de sua vida.
É interessante que homens falem contra o machismo; que brancos expressem seu repudio contra racismo, obvio. Mas, o combate é diferente. Vem através do exemplo ao prosseguir contra o fluxo pré estabelecido. Isto é, não ser racista, auxiliando aqueles que pedirem ajuda e, MUITO IMPORTANTE, não se considerar o salvador da pátria.
O filme "8 miles", que relata uma parte da vida do Eminem, possui uma cena fantástica no final que expressa a importância do local de fala. Essa cena desenrola-se numa batalha final de rep onde o Eminem vence Papa Doc (atual campeão), pelo simples fato dos dois estarem em situações completamente distintas. Eminem, apesar de branco, sofreu das mesma forma que o negro na periferia, ao passo que Papa Doc, negro, estava localizado em uma classe mais abastada – Os pais não se divorciaram, ricos, casa boa, vizinhança chique, melhores escolas.
Local de fala está intrinsecamente relacionado com a experiência vivenciada, sendo isso que traz a legitimidade e potência para que alguém suba no palanque e inspire as outras, liderando movimentos contra aquilo imposto. Todo o resto é necessário, mas longe de ser essencial.
Saliento duas coisas:
1- Não precisa pintar pele para entender que existe racismo; passar por mulher e entender o medo ao passear na rua; largar tudo e viver na miséria, para senti-la. Nem tudo poderemos experimentar, mas isso não impede que reconheçamos (ser consciente) a experiência do outro que, muitas das vezes, é mais do que suficiente;
2- Nada impede que jogue capoeira, escute hip hop, vista turbantes ou afins. O problema, como disse, é quando a história daquilo faz-se esquecida (proibição da capoeira antigamente por ser coisa de preto) para torna-la consumível e tenha um “bom cheiro”; característica dessa sociedade manipulada por condições do Mercado.
Nossos pontos iniciais foram diferentes por diversos fatores culturais, históricos etc, e nada impede que tenhamos consciência disso e busquemos mudar. E aí, agora deu para entender que para Participar, antes saiba o seu lugar?
Texto que causou essa comoção toda (https://www.facebook.com/periferiaantifascista/posts/1457246644391974)
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