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Ensaio sobre Eva - Empoderamento Oculto.

  • Victor Câmara
  • 31 de ago. de 2017
  • 4 min de leitura

Bom, considero a mulher uma quina que vai de encontro ao dedinho; a agulha que injeta anticorpos; o soco no rim; o peso na consciência e um espelho.


Detemos uma ideia intrínseca que ao fazer tudo, não existirá consequências. Característica de uma sociedade fálica, mimada a qual chamamos de moderna. Essa parece ser uma característica marcante nos homens porque acreditamos possuir autoridade, força, “verdade” e que tudo o que fazemos é licito, visto que possuímos um falo e, consequentemente, poder.


Contudo, o poder não se possui em uma única forma, tão somente se exerce (Foucault). Quando vemos alguma mulher em posições elevadas; é revelado de que o poder não está no falo. Isso é, nascemos com um falo, mas ele não garante o poder.


E aqui inicia o peso na consciência. Aqui está uma fragilidade transmutada em ódio!


Tomo emprestado um exemplo mencionado por Lacan e, mais tarde, abordado por Deleuze: Na antiga Grécia, dois pintores fizeram uma aposta para ver quem retrata melhor um ilusão. O primeiro consegui pintar uma cesta de frutas tão real que até pássaros bicaram a tela. O segundo, ao contrário, pinta um cortina no quarto que faz com que o primeiro pintor diga: “ok, agora me mostre o que têm atrás da cortina”. Resumindo: a melhor ilusão é aquela que imita a própria ilusão. Não existe nada por trás da cortina!


Trazendo para o contexto. A mulher, ao se equiparar na ordem hierárquica acaba imitando o falo e, por isso, revela de que o falo é puramente ilusão. “Ah, mas isso poderia acontecer entre homens?” Creio que não, porque um impasse entre homens parte-se do pressuposto que ambos detém a verdade, bastando uma disputa para ver quem tem o falo maior. Com a mulher é diferente porque ela se iguala sem ter o falo, ou seja, revela que o falo é uma ilusão de poder.


“Mulher é o sexo frágil, por isso deve ser velada”. Porém, por serem espelhos, refletem uma fragilidade inversa, a do próprio homem. Por isso, tampar esse reflexo é essencial (não vote, seja cauda, vista burca, cuide de casa, cuide dos filhos e trabalhe, me sustente – conceito mais moderno).


Não é à toa de que o Islã (representante máximo religioso nesse quisto, equiparado somente com o código de Manu) obriga o uso da burca porque o sexo (mulher) é forte demais, o que acaba retirando-os do caminho de Deus – que tipo de sociedade é essa que o simples tilintar de um salto provoca explosões de luxúria? (Boris Gunjevic)


Como disse antes, somos mimados e criados para acreditar que merecemos e devemos exercer autoridade (homem cabeça, mulher cauda). Mas, quando isso é retirado ou ameaçado retribuímos na mesma proporção de nosso desespero (descobrir que o falo não é totalmente necessário – uma forma de impotência). Ou pior, utilizamos de muletas ao dizer “ela só está ali porque me interessa ou deixei que assim fosse” quando, na verdade, escondemos a nossa mais profunda impotência que se renova diariamente como um soco no rim.


Esbarramos nosso dedinho nessa quina incólume pois buscamos atacá-la, porém, não percebemos que atacamos a nós mesmos. Por quê? Bem, é mais fácil culpar o outro pela perca do paraíso, do que entender que nossa vontade assim o quis (ser livre como Eva foi). Nossa angústia é entender, mas não aceitar, que quem transgrediu a lei de Deus foi Adão, não Eva (Dizendo Deus ao Homem: - “Podes comer do fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do mal Gênesis 2:16,17”).


Odeio vacinas e picadas, porém, são necessárias para que fabriquemos anticorpos das quais não possuímos capacidade natural. Uma característica abissal entre homem e mulher reside nisso: o primeiro acredita no que o outro vê nele, esse sentimento heroico que não suporta desapontar (lembrem-se sempre do falo) ou porque alguém assim disse a nós; a mulher, ao contrário, acredita porque questiona e consegue chegar à conclusão ou acredita por querer acreditar, incentiva o homem.


Antes, imaginava de que a serpente era a tentadora, hoje, creio que uma serpente é uma representação da dúvida que nasceu na criação da mulher, pelo fato de ter nascida livre. A dúvida leva a se mexer, dançar; a dúvida concede asas para conhecer as propriedades do Bem, porque sabemos o que é Verdade através da Mentira!


Conhecemos que o Bem é bom porque existe o Ruim. Sempre uma comparação, um paradigma e nisso reside o escândalo: apenas a mulher, a própria incorporação da natureza indiscernível de verdade e mentira, pode garantir a Verdade. Por essa razão ela tem de continuar velada (Boris Gunjevic). Por isso todo o levante contra a liberdade da mulher, pois, desde o “principio” o homem percebeu que estava acorrentado: não suporta continuar nessa situação ou amaldiçoa quando tiram as correntes.


Aceitar que a mascará/corrente não existe mais, ou seja, conhecer o bem e o mal implica em também concordar que esse crescimento vem com a dor. Nesse sentido, mulheres são pioneiras, pois aprendem desde cedo a lidar com ela (Eva não teve tanto tempo no paraíso como Adão), seja fisicamente, como psicologicamente. Agora, escolher fazer da dor um trampolim ou permanecer como vítima, vai de cada uma.


Adão apenas conheceu seus gostos porque quis a liberdade e, devido a isto, precisou trabalhar e ganhar sustento através do esforço; sentiu dor e cansaço; soube que vivia no paraíso porque agora provará o amargo da terra. Isso tudo porque Eva soube questionar. Reparem que o Deus cristão disse: “agora eles são como nós, sabem o que é Bem e Mal” E tomando as palavras de Deus, complemento: “Agora são criadores de valores, assim como Nós! Maldita seja Eva!”. Eu, ao contrário, lhe agradeço.


E vejam, até mesmo Maomé não seria Maomé, caso Cadija não tivesse traçado a linha de separação entre verdade e mentira, entre revelação divina e possessão demoníaca, ao toma-lo em seu ventre, pois sabia que um anjo não presenciaria tal ato.


Tudo isso me leva a acreditar que deve ocorrer uma simbiose infinita entre o masculino e feminino: A Deusa-Mãe, substância geradora e destruidora do Mundo, personificação da liberdade, exprime o poder traumático subversivo-criativo explosivo da subjetividade; enquanto o Deus-Masculino confere forma, expande e a mantém (por certo tempo) através do poder rígido objetivo-autoritário.


E mais, na atual conjectura da sociedade humana, é imprescindível que surjam mais Eva’s para espantar tanto mimo. Precisamos sair dos bosques para dançar debaixo de céus trovejantes; deixar o barco e mergulhar nas profundezas. Arrancar as correntes e abraçar a liberdade!

 
 
 

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