Aquele que aprisiona o libertador.
- Victor Câmara
- 25 de ago. de 2017
- 3 min de leitura

Eis uma bela expressão latina, apesar de ser uma língua morta. Significa 'amor ao destino' ou 'amor ao fado'. Amor fáti é justamente isso: Uma redenção da vontade. Libertadora das correntes do passado.
Possuímos prateleiras dentro de nossos seres. Depositamos verdades que, como pó, vão se amontoando e tomando forma. Porém, com nossas flanelas (Nietzsche chama de martelo) limpamos aquelas que achamos estarem sujas em demasiado e esperamos que se sujem com coisas novas outra vez. Um ciclo intrínseco entre saber e deixar de saber, a qual estamos condenados.
É fato que tomamos atitudes baseadas nesse nosso saber adquirido. Alguns alegam cegueira, inocência, deus/diabo, destino ou sorte. Enfim toda a sorte de muletas, mas a verdade é tão somente uma: aliviar o fado que carregamos ou medo da liberdade porque, não se enganem! A liberdade vem com seu preço, e não é somente flores.
E mais, diversas vezes o grande e imponente vento norte assopra sobre nossas prateleiras, causando grande desconforto porque não queremos nos livrar dessa poeiras. Esse vento representa a “revelação” pessoal de que tomamos essa ou aquela atitude baseando-se em algum saber que, a partir dela, consideramos “falhos”.
Sem contar que não aceitamos que tal atitude 'imoral" tenha partido de nós. Tal arrependimento corrói nossas entranhas e, por isso, amaldiçoamos qualquer coisa que nos faça sofrer pois o tempo, meus amigos, é incontrolável. “The Machinist” é um belo exemplo cinematográfico, mas, em respeito aqueles que não assistiram, não abordarei sobre.
Não podemos lutar contra o passado, visto que ele já venceu e se distancia mais e mais a cada instante. Não importa o quanto se debata, nada impede que a roda do fado gire.
Por isso, existe uma luta constante contra esse vento norte, uma forma de assegurar (doce e venenoso engano) de que antigas atitudes ainda estão corretas no presente. Imaginem, por um momento, estar na carne de antigos generais russos que executaram/ordenaram a morte de milhares compatriotas nas GULAGS, mas, anos depois alguém discursa oficialmente dizendo que aqueles atos foram contra a revolução. Como sua consciência responderia?
Não somente isso, vamos trazer um exemplo atual. Imaginem crescer em um mundo que te ensinam que todas suas ações são ungidas pelos céus, está legitimado por Deus/Ideal toda e qualquer ação em nome dele; não somente isso, que qualquer falha que tenha tido será perdoada, visto que foi uma mera tentação, empecilho do Diabo/Reaça. Agora, pensem que lhe é retirado isso da noite para o dia. De que forma sua consciência reportaria a si?
Quando o vento sopra e leva para longe todas as muletas, a única verdade que sobra é a SUA VONTADE. O impulso para suas ações. Ela é a libertadora e destruidora de morais, verdades, bem e mal.
Contudo, nossa vontade é cativa do passado. Tão guerreira e libertadora, mas igualmente impotente em remediar o que aconteceu. Uma cobra que morde o próprio rabo.
Isto provoca nosso mais profundo desespero, e eis a razão de afofarmo-nos em profundos mares ou apoiamo-nos em muletas com discursos “assim sucedeu”. Quando nem mesmo isso for suficiente, beiraremos o abismo do suicídio numa vingança e alivio dessa vida amarga.
Quantos e quantos pensamentos, nesse sentido, pairam sobre a humanidade!
Mas, precisamos ter coragem de tomar o último passo; precisamos ter amor fáti. Essa é nossa única chance de libertar o libertador. Passar do discurso “assim sucedeu” para “assim eu o quis!”.
O Eu do passado detinha a mesma vontade que possui agora e, por isso, o respeite por ter tomado certa atitude.
Não escondam-se de si mesmos! Varram debaixo dos tapetes, esses lugares secretos que envenenam lentamente todo o seu ser. Assumam, sem dó ou vergonha todos os atos! Claro, isso não nos exime de julgamento. Longe disso! Mas, aceitar de bom grado que nossa vontade pode ter sido aquela, porém, hoje está diferente, é nossa redenção.
Na verdade, uma libertação de si mesmo. Pensem comigo: Se minha vontade hoje, luta e martiriza-se por algo feito no passado, não estaria essa vontade lutando contra a própria vontade?
Por fim, deixo vocês com uma passagem:
“O querer liberta; mas como se chama o que aprisiona o libertador? Redimir os passados e transformar tudo, ‘foi’ num ‘assim o quis’: só isto é redenção para mim.
Todo o ‘foi’ é fragmento e enigma e espantoso azar, até que a vontade criadora acrescente: ‘Mas eu assim quero! Assim o hei de querer’”
Posso fraquejar por ser humano, demasiadamente humano, e não o Übermensch. Mas, consigo entender de que há muitas outras auroras por vir, e estou caminhando para um dia voar Além do Bem e do Mal.
Nietzsche, muito obrigado...
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