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Não basta ter um filho.

  • Victor Câmara
  • 22 de ago. de 2017
  • 4 min de leitura

Esses dias conversei com o girassol, exatamente nesse ponto. São diversos detalhes que precisam ser pensados e calculados.


Existe todo um preparo para desejar um filho porque a responsabilidade é gigantesca. Na infância será constituída uma grande parte do futuro adulto; toda a base psicológica e mental será estabelecida exatamente aqui. Traumas que são levados ao longo de toda à vida.


Sabe o que é mais engraçado? A criança não possui meios de defesa em relação à tudo isso. Eu não tive e você também não. Criança vê, criança aprende, criança faz.


Imaginem criar um filho e dizer que pode utilizar qualquer roupa. Digamos que nasça menina e é convidada para um aniversário de princesa, porém, deseja ir fantasiada de Batman. O que falar para ela? “Olha filha o mundo não aceita que vista assim, mas o papai e mamãe te amam do jeito que é”. Tudo muito lindo e bonito, mas e a carga emocional que aplica-se nesse humano em formação, como fica? Melhor esconder o fato do mundo ser como é (pelo menos por um momento e correr o risco dela aprender com o mundo) ou, ao contrário, pedir para que ela vista uma roupa que não quer e assumir o fardo de figurar como alguém autoritário. Saca a dificuldade?


Bom, essa é uma parcela. Agora vamos para a deep problemática.


O papel dos pais é fornecer todo o aparato para que o filho venha crescer e frutificar. No entanto, isso só pode ser fornecido por aquele que o detém, ou seja, você é a antessala, o mezanino para o filho. E ai, você possui toda a estrutura psicológica necessária? Dominou a si, ou uma boa parte? Entendeu como sua mente e corpo funcionam? Ainda toma as mesmas ações/atitudes buscando resultados diferentes? Já questionou tudo e descobriu quem te controla? E seus preconceitos, como estão?


Devo fornecer, no mínimo, o dobro que recebi. Não falo de dinheiro, porque isso a sorte e destino se encarregam. Estou me referindo a matéria prima para erguer-se como ser humano, a psique. Também ser o dobro de mim; que olhe para trás e veja como sou pequeno. Não que eu deseje ser pequeno, mas chega um momento em que ficamos mais lentinhos mesmo e a forma como obtemos conhecimento diminui.


Tenho para mim de que meu filho deve me superar, pois não há tristeza maior para um mestre do que ver seu discípulo sempre como tal. Aqui começa minha tristeza porque sei bem o tanto que tenho acumulado de conhecimento e concepções; sei do turbilhão que é minha psique e agora questiono: Como ensina-lo a me dobrar, sabendo o monstro que sou? Que devora e absorve rapidamente qualquer conhecimento? Como não afoga-lo nesse meio tempo? Sei o tamanho da minha curiosidade e sei para onde tem me levado. Como me dobrar? Imagino o gigante que sairá, quem sabe um dia, disso.


Devo ser para meu filho um amigo, mas também o maior inimigo, sim! Apenas nós superamos quando deparamo-nos com barreiras, sendo preciso ser isso para ele também. Há todo momento devo erguer novas montanhas esperando que me supere, ao mesmo tempo que não (eis um paradoxo).


Não bastará que me tenha como farol! Preciso ir além e deixa-lo na escuridão para que encontre seu próprio lampejo e brilhe por si mesmo; que corra de mim para saber a dimensão de seu próprio brilho.


Não posso reconhecer, no futuro gigante, minha digital. Sim! Tornar-se o inimigo do filho deve ser o fardo daquele que deseja ser pai!


Como em um jogo de xadrez, preciso ensina-lo todas as regras e estratégias (até mesmo as minhas), porém, não posso deixa-lo ganhar de bandeja. Ao contrário, inovar e recriar a mim mesmo será, para ele, minha maior bênção! No entanto, como dosar a mão? De que forma encontrar o equilíbrio sem quebra-lo no percurso? Eis um novo paradoxo: Ser mais duro para com ele do que a vida, sem perder o tato e a doçura!


Devo ser a bolha que engloba-o, fornecendo todos os aparatos mas sempre incentiva-lo a rompe-la! A crescer mais do que a minha bolha, ao mesmo tempo que continuo minha expansão! Fazer como que ele enxergue o mundo a sua própria maneira, é a tarefa dos pais.


Filho não é nossa herança ou uma bênção; não deve ser o reflexo dos pais. Filho está para muito além dos pais, é o super-humano que entrará em conflito comigo em todos os momentos e, em dado momento, vencerá. Imaginem se todos os filhos superassem os pais e assim por adiante. Imaginem como estaria o mundo daqui, digamos, duas gerações?


Às vezes me pego imaginando certos diálogos e seria um prazer oculto escutar de meu filho que desejou caminhar por caminhos que acreditei serem perigosos; debater questões que se solidificaram no meu espírito dizendo: “ei velhaco, você está enganado”; saber que um dia fui necessário, no entanto, há muito tempo que caminha com as próprias pernas; que criou seus próprios valores que um dia farão sentido até para mim.


Como aguentar ser observador quando o filho clama por ajuda de seus perseguidores? Não! O fardo dos pais está em permanecer como exatamente isso, um observador. Encarar a dor de proporcionar as condições para um novo criador.


Para encerrar, não gosto muito de citar exemplos bíblicos porque causa impressões erradas (visto que considero tudo simplesmente como filosofia ou conhecimento). Porém, jesus só tornou-se jesus quando estava meditando sozinho no monte getsemani. Lá, longe dos discípulos, multidão, perseguidores, diabo e até mesmo deus, descobriu sua força e escolheu, por si só, seu caminho. Lá! Sozinho, chorando, implorando por respostas, descobriu seu Eu.


Isso é o que quero para meu filho, e espero de mim como pai. Então me desculpem sociedade quando falo que não estou preparado ou até mesmo não desejo.


E não, não basta somente ter um filho.


 
 
 

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