A divina tragédia da Verdade.
- Victor Câmara
- 23 de mai. de 2017
- 3 min de leitura

Para e penso em todos os caminhos que percorri até aqui. Me admira olhar para minha pele e ver quantas cicatrizes, quantos golpes assolaram em minha pele. Verdades! Verdades! Verdades!
Verdades! As veredas pela qual percorro, em todos os momentos, desaguam nessa submissão sutil que corrompe sem que ao menos percebamos. Esse veneno que impregna nossas refeições diárias e aniquilam a vida pouco a pouco. Verdades que limitam nossa capacidade de sobrevoar montes, arrancam nossas vontades. Faz um pássaro acreditar que viver engaiolado é bom, moral, digno.
Verdades! Esta que consumiu até mesmo o Reino da Dúvida, que deveria buscar simplesmente o conhecimento. Agora, essa cobra retoma seu plano de nos enganar através da esperança, se dissimula através da dúvida afirmada. Agora, o conhecimento adquirido mediante a vontade de saber, retorna como uma “VERDADE” racional tão poderosa que faz com que não a questionemos.
Seria o medo da dor e desespero, em descobrir que essa “verdade” (assim como Deus) não passa de um mero ponto de vista, que nos faz arrancar os próprios olhos?
Verdades! Não consigo me submeter a ela. Mas qual seria o outro caminho? Continuar lutando, melhor dizendo, continuar buscando conhecimento? Para quê? Tudo é ilusão! Criamos palavras para nomear objetos e outras tantas para poder explica-la. E se o meu laranja for diferente do seu? E se meu vestido possuir listras brancas e douradas? Tuas verdades aprisionam até mesmo meus sentidos?
Verdades! Esse “deus” a qual submetem e calejam a potencialidade dos homens, que presumem atingir a totalidade de um objeto. Uma árvore deixaria de existir caso não criássemos a palavra “árvore”? Uma floresta existiria caso não existisse alguém para contá-la, dar números? Estamos condenados em viver com nossas potencias voltadas para responder os porquês, ao invés do “como”. E o pior, estamos competindo uns com os outros, para saber quem responde primeiro e toma o lugar de deus.
Verdades! Me recuso em seguir esses ditames de homens que, assim como eu, são falhos. Esses arautos do “transcendente” possuem os mesmos sentidos que agora afirmam estar errados nos outros. Cristalizam suas opiniões e convencem outros de que suas palavras são o caminho.
Verdades! Desejo apenas não desejar. Sei que parece impossível, visto que até Buda entendeu que esse ímpeto em não desejar nada, acaba implicando em uma paixão. Que seja! Mas, prefiro conservar minhas energias e aproveitar os últimos minutos para meia noite, na melhor companhia que descobri durante esse percurso: EU!
Verdades! Não gastarei nenhum momento há mais para tentar entender; não quero mais esses valores metafísicos, humanísticos e científicos. Gastei toda minha potencialidade para debandar das amarras da submissão para no final perceber que tudo foi em vão, nenhum progresso realizado. Sou um soldado que se deita no campo de batalha e aceita o fado do por vir.
Verdades! Aceito o fado como tal. O destino inexorável que nos alcança. Então caminharei para o fim do poço e me recostar nas colunas da complacência, do meio termo pois “É tempo de meio silêncio, de boca gelada e murmúrio, palavra indireta, aviso na esquina. Tempo de cinco sentidos num só. O espião janta conosco. É tempo de cortinas pardas, de céu neutro, política na maçã, no santo, no gozo, amor e desamor, cólera branda, gim com água tônica, olhos pintados, dentes de vidro, grotesca língua torcida.” - Carlos Drummond de Andrade, Nosso Tempo
Verdades! Não sei em qual mascara estará escondida, mas, não importa, você sempre esteve e sempre estará presente para nos amordaçar. Convidamos de bom grado a serpente da indiferença para nossas casas, pois, afinal de contas, de que vale resistir. E se me perguntarem “como chegamos até esse ponto?”, responderei como chicó: Não sei! Só sei que foi assim.
Agora caminho para meu fundo, para o descanso de uma vida.
No entanto, chegarei sem ao menos ter descoberto o que é viver? Será que tudo se resume a submissão de verdades? Em acatar passivamente? Em esconder ou engaiolar meu pássaro azul, ser duro como Charles Bukowski foi ao tratar com o dele? “Há um pássaro azul em meu peito que quer sair mas sou duro demais com ele, eu digo, fique aí, não deixarei que ninguém o veja. Há um pássaro azul em meu peito que quer sair mas eu despejo uísque sobre ele e inalo fumaça de cigarro e as putas e os atendentes dos bares e das mercearias nunca saberão que ele está lá dentro.”
Será? Eis uma bela palavra para tomar como ponto de partida.
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